CENAL

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domingo, 24 de julho de 2011

DIA DO ESCRITOR






   Escrevemos porque existem lápis.


Esta reposta é perfeitamente suficiente. Para mim próprio não preciso de mais. Nem sequer me preocupo em saber (tentar saber) porque se fabricam lápis, porque se inventaram os lápis.

Se quiser ser mais essencial, direi: Escrevemos porque temos dedos. E se quiser ser mais profundo, direi: escrevemos porque temos músculos, ossos e nervos. E se quiser ser transcendente direi: escrevemos porque escrevemos. Se quiser explicar alguma coisa, direi: escrevemos porque desejamos estender a fala, em duração e capacidade de comunicar. Se quiser realmente saber porque escrevemos, então é melhor começar a escrever. Então perceberei que escrever é um ofício. Ofício que se pode aprender, mas que ninguém ensina.

Um ofício em que ao oficiante nada se deve pedir; nem um ato de fé inicial, nem um juramento. Só se lhe pede que escreva. E só depois de ele escrever é que se vê se escreveu, e como e para quê. Logo pelo texto que escreveu, se vê se oficiante acredita ou não na escrita que escreveu. Mas isso não interessa pelo oficiante em si, pela sua personalidade excelsa ou não, etc. Isso interessa só pelo texto que ele escreveu. Que esse texto é nosso. Não para nós gostarmos ou não de o ler, mas nosso para nos ensinar a ler: a lê-lo.

Se o texto é daqueles que nós já sabemos ler, então o oficiante não acredita no poder criativo do material que usa. Mas se o texto é daqueles que não sabemos ainda ler, ou que nos faz soletrar, ou que nos corta o ritmo do pensamento, então o oficiante escreve e sabe porque escreve e acredita no poder demiúrgico da palavra. A escrita, com todos os seus poderes está e estará entre nós. Por isso exigir-lhe-emos uma responsabilidade. Por isso ele há-de fazer-nos acreditar que tem uma função, a de recriar os seus materiais, e de com eles realizar mais, muito mais do que as palavras escritas nos dizem como sinais que são, negros sobre uma folha branca.

Há pois que fazê-las dizer esse “mais”. Sabemos hoje depois de um século de Modernidade: 50 anos depois da destruição DADA; 40 anos depois do mergulho do surrealismo; depois de 10 ou 20 anos de experimentalismo em todas as línguas e regiões do mundo; sabemos hoje que as operações físicas alteram o conteúdo semântico, ou a temperatura informacional dessa fala ou dessa escrita e portanto são criadoras (re) de língua viva. Assim de operações morfológicas, de operações fonéticas e de operações sintáticas, emerge uma nova semântica e uma língua reativada surge.

Uma semântica não pré-existente, nem oferecida por ninguém mas criada por quem sabe como e para quê servem os lápis. E toda esta operação tem uma razão de homens para os homens.

(...)

CASTRO, Ernesto Manoel de Melo e. O próprio poético: ensaio de revisão da poesia portuguesa atual. São Paulo, Quíron, 1973. p.: 15-16.

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